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10 Lições do HIV para a resposta ao COVID-19

APRENDENDO COM A EXPERIÊNCIA PRÉVIA

JUNE 12, 2020 BY DANIEL WOLFE



As sociedades que enfrentam pandemias passam por uma versão dos famosos estágios do luto de Kübler-Ross - negação, raiva, depressão e assim por diante. À medida que o mundo muda dos lockdowns para um convívio incômodo com este novo coronavírus, aqui estão 10 lições que podemos aprender de uma outra pandemia com a qual convivemos há muito mais tempo: a do HIV.



A busca pelas origens pode camuflar a má-fé e

outros impulsos divisivos

Seja rotulando o vírus de "o vírus chinês" (Presidente Trump), ou "o vírus de Wuhan" (Singapura), "uma criação do Departamento de Defesa dos EUA" (China), ou "uma trama do Bill Gates" (múltiplos teóricos da conspiração), a maioria das discussões sobre as origens do vírus alimentam o ressentimento e não o conhecimento científico.

Com a AIDS, por exemplo, confundir aqueles entre os quais a doença foi inicialmente detectada - homossexuais, haitianos, hemofílicos e viciados em heroína, o chamado “clube 4-H” - como os únicos em risco, retardou uma resposta eficaz e incentivou a discriminação.


Os cientistas devem investigar a transmissão de animais para humanos e as origens a nível nacional. Os formuladores de políticas devem se concentrar mais em uma resposta eficaz à pandemia.

Pense em redução de danos, e não na eliminação de riscos

As comunidades atingidas pelo HIV aprenderam a pensar em termos de “mais seguro” em vez de “seguro”, e a fazer escolhas que permitissem às pessoas a continuarem atividades essenciais do viver - fazer sexo, usar drogas, conceber crianças - enquanto ao mesmo tempo minimizando os riscos.


Do mesmo modo, o COVID-19 exigirá uma abordagem de redução de riscos, de informações precisas e de ferramentas que assistam as pessoas a reduzir o índice de infecções- e não na negação, na politização da prevenção, ou na expectativa de uma segurança absoluta.

Credibilidade é tão importante quanto os testes

Apesar do foco em Washington nos testes como a métrica principal no esforço nacional, testes e rastreamento de contatos do COVID-19 não podem funcionar sem que haja sistemas confiáveis de apoio social.

Com o HIV, muitos ativistas se opuseram ao uso de testes domiciliares até que houvessem mecanismos que fornecessem tratamentos e uma proteção contra a discriminação.


É irrealista esperar que as pessoas façam testes (anticorpos ou antígenos) se não souberem como os empregadores, as autoridades de saúde, as agências de seguro-desemprego e os sistemas de cuidado infantil assimilarão os resultados. Nenhum programa de saúde pode funcionar se as pessoas tiverem receio de usá-los.


A polícia representa uma ameaça ao controle de pandemias e

à saúde pública

A longo prazo, o uso da polícia para impor quarentenas ou detectar febres, como tem sido praticado na Singapura e na China, só exacerba a vulnerabilidade.


As manifestações em massa contra a morte de George Floyd nesta semana, enfatizam o fato de que populações mais vulneráveis à COVID-19 que já são excessivamente policiadas (como usuários de drogas nas Filipinas, moradores de favelas no Brasil e homens de ascendência afro-americana nos Estados Unidos) não confiarão na aplicação de uma lei que intenciona ajudar a proteger sua saúde.

No caso do HIV, o policiamento e o encarceramento dificultaram o alcance às pessoas de maior risco, privaram a população de uma prevenção eficaz e interromperam tratamentos.


Com o COVID-19, já observamos uma ofuscação entre saúde pública e a aplicação da lei, como quando as autoridades israelenses usaram dados de celulares, coletados para combater o terrorismo, para rastrear os contatos da COVID-19; ou quando individuos que sofreram uma overdose em seu carro, no Ohio, foram acusados de violar as restrições do COVID que os mandava ficar em casa. Reduzir as detenções e os encarceramentos é uma prioridade da saúde pública.


Apoio comunitário funciona melhor do que ordens vindas de cima

Enquanto as autoridades de saúde pública falam de populações "difíceis de se alcançar", as pessoas dessas comunidades não têm dificuldades nenhuma em encontrá-las.


Como nossa experiência com a prevenção do HIV nos mostrou, a educação de questões de saúde é mais eficaz quando é feita por pessoas que estão em contato com as realidades diárias das pessoas que tentamos ajudar - especialmente quando se trata de grupos que têm boas razões para desconfiar de médicos e governos. Os apelos por uma epidemiologia de porta-em-porta e por um novo batalhão de rastreadores fazem sentido, mas o "Quem" é tão importante quanto o "O Quê".


Priorizem a contratação de pessoas com conhecimento do terreno e que comandem a confiança da comunidade.


Cronogramas frequentemente confundem mais do que esclarecem

Pronunciamentos que afirmam que "as cidades reabrirão por completo em agosto", ou que "até setembro haverá uma vacina", arriscam desapontar ao invés de motivar. Praticamente todos os avanços neste esforço serão realizados de forma diferenciada, se é que serão realizados. Será necessário um sólido método científico para se diferenciar as intenções da realidade.


Pacientes com AIDS tiveram que arcar com falsas esperanças enquanto empenhavam esforços enormes para obter acesso a dezenas de tratamentos que se revelaram inúteis. A ex-secretária de Saúde Americana, Margaret Heckler, anunciou que haveria uma vacina contra a AIDS dentro de dois anos. Isso foi em 1984.

Os preços dos tratamentos determinarão nossa percepção

de quem os necessitem

A menos que os novos testes e tratamentos tenham preços que os faça acessíveis a todos, pessoas mais ricas - e nações mais ricas - encontrarão razões horrorosas para justificarem porque elas têm acesso aos tratamentos enquanto outros não.


O tratamento da AIDS é uma história de preço e preconceito. Em 2001, por exemplo, quando os medicamentos receberam preços acima do alcance dos países do hemisfério Sul, o diretor da Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional fez a declaração, de índole racista, de que os africanos não conseguiriam seguir o tratamento de forma adequada.


No entanto, quando os preços dos medicamentos caíram após a introdução competitiva dos medicamentos genéricos, a resistência ao tratamento universal contra o HIV também entrou em colapso.

Não culpe indivíduos por falhas sistêmicas

Os sistemas públicos de saúde tendem a acusar certos pacientes de serem "não conformistas", em vez de examinar a própria rigidez institucional. Pessoas que procuravam centros de tratamento da AIDS na Europa Oriental, por exemplo, onde a esmagadora maioria dos primeiros casos de HIV eram pessoas que injetavam heroína, eram frequentemente confrontadas por sinais que diziam: “Se você está sob a influência de narcóticos, por favor, volte amanhã. Para alguém que têm um hábito de heroína diário, isso se traduz em "não retorne nunca".

Enquanto isso, nos Estados Unidos, homens de ascendência afro-americana que fazem sexo com outros homens - os quais também sofreram índices de HIV muito altos - eram frequentemente acusados de correrem mais riscos, de usarem mais drogas, de serem "uns vagabundos" que se odeiam e que não se preocupavam com a propria proteção.


Na verdade, não se comportavam de forma mais arriscada do que seus colegas brancos, mas tinham menos acesso a testes e tratamentos de HIV, enquanto enfrentavam maiores índices de HIV em seus círculos sociais. Já podemos observar imigrantes sendo rotulados como “bombas de COVID na saúde pública”, ou de “invasores” infecciosos.


A verdadeira toxina é esse pensamento que transforma o fracasso do governo em um problema de comportamento individual e, em seguida, fazem de pessoas vulneráveis, bode expiatórios da própria vulnerabilidade.

Pense em termos global, mas financie flexivelmente

Levaram-se 20 anos ate que reconhecêssemos a necessidade de uma resposta internacional ao HIV e criássemos um fundo internacional para sua prevenção e tratamento. Os fundos para a AIDS, porém, eram com frequência restritos a certos tipos específicos de ajuda - fornecendo apoio a clínicas de HIV, por exemplo, enquanto outras instalações igualmente cruciais ao seu redor careciam de pessoal ou suprimentos.


A COVID-19 afeta vários aspectos da vida e exigirá várias respostas interdisciplinares - e um respeito pelo contexto local e pela criatividade na definição de padrões.

Ativistas terão que por muita pressão por justiça

A COVID-19 mobilizou novas redes de auto-ajuda, de colaboração científica, de contribuições filantrópicas e muito mais. Mas os aplausos às 19 horas para os profissionais de saúde podem ter que ser substituídos por ações mais forçosas se esses mesmos profissionais quiserem obter o equipamento de proteção individual que necessitam e salários correspondentes aos riscos que se submetem.


Embora cientistas possam querer colaborar, os executivos farmacêuticos que os empregam podem não estar tão abertos a compartilhar. Trilhões em ajuda de emergência precisam de milhares de olhos para analisar aonde o dinheiro vai e quem está sendo excluído.

Uma das principais lições do ativismo da AIDS - que floresceu muito antes de qualquer tratamento estar disponível - foi a importância de imaginar uma realidade melhor, em vez de aceitar os limites da realidade atual. E agora somos convocados a fazer tudo de novo.

Daniel Wolfe: Até dezembro de 2021, Daniel Wolfe foi diretor do Programa Internacional de Desenvolvimento de Redução de Danos das Fundações da Sociedade Aberta.


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